Sunday, February 27, 2005

Se te sentasses comigo

Se te sentasses comigo num daqueles bancos de balanço dignos de um razoável filme americano, acho que não resistiria à velha e nada original tentação de te dar a mão, de a puxar para o meu repousado e morno regaço, e de brincar com os teus dedos, numa distração mal fingida, e começava então a contar-te como era bom ter-te ali por perto, e depois prolongava as minhas palavras de forma a que te soassem preguiçosas e lânguidas, e espraiava o meu corpo para que aquela luz crepuscular que partilhávamos sugerisse quenturas e fogos ateados. E é claro que, neste filme que teria um guião no mínimo criativo, tu não entenderias nada das minhas desajeitadas subtilezas e simplesmente adormecias no meu regaço, e eu aproveitaria a oportunidade de te acariciar os cabelos de forma lenta e leve, como se a brisa estivesse na ponta dos meus dedos, e deliciava-me com a visão do corpo de homem-menino que repousava no meu colo e me fazia sentir poderosa e protectora do meu amor. E como um fim belo é sempre o mais popular, acho que mansamente eu acabaria por ceder o meu tronco sobre o teu, deitar a minha cabeça no teu peito, e fechava os olhos para melhor sentir a música do teu coração esquecido de mim, e iria fazer um esforço na minha respiração para que o meu coração entrasse em completa sintonia com o teu, ambos num som uníssono. FIM

Estio de Estrelas

Neste inverno de frias noites despidas de nuvens, começo a sentir falta da noite de verão cálida e de silêncios intercalados com os sons das cigarras, que lembram alegrias e parecem ser a música com que as estrelas dançam para nós num céu aberto e escuro. A minha alma anseia por uma dessas noites, em que me deito num chão ainda morno do sol abrasador da tarde e fico assim, entregue a esse céu, ao universo que contemplo, ponto mínimo no infinito. E assim, deitada de costas e virada para as estrelas, tento iniciar uma linguagem que só eu e elas conhecem, e experimento o meu sorriso de cumplicidade, procurando nelas um outro lado de mim, como se fosse uma folha de figueira escondida na sombra da árvore com uma textura de vida e de seiva leitosa que subitamente se vê exposta a uma luz cega. Nesses dias em que me atrevo a ter nas estrelas as minhas confidentes de segredos,fantasias e medos, sinto-me um embrião estelar, discípula dos seus desígnios e amante da sua luz. E é nesses dias que algo me renova a alma e retomo rumos de descoberta em mim, criatura expectante e repleta de vazio à procura do mar de ser.

Friday, February 25, 2005

A um amigo...we know who :)

A ti, amigo,chegam as minhas palavras como gotas de água trémula e desaguam nos teus olhos repletos de luz. Vejo-as cativas nos teus olhos abertos, curiosos, lúcidos, e sinto-as derramar para dentro de ti, seguindo um roteiro que desconheço mas com um destino secreto que pressinto especial e só meu! Aí, onde guardas as minhas palavras, adiciona-lhe o cheiro de alfazema após ter sido esfregada nas tuas mãos, e junta a essa fórmula uma lágrima solitária minha recebida pela curva do meu sorriso. De ti, amigo, espero o sol das tuas palavras, o ar que se respira num dia claro, uma gota de chuva empurrada pelo vento ciumento de mar e um sorriso, imenso e intemporal, que ilumina as noites silenciosas e vazias em que me refugio. Para ti, amigo, desejo as manhãs claras e os dias limpos com uma nuvem branca imensa mesmo acima da tua cabeça, onde caibam todos os teus sonhos e fantasias :) Para ti, amigo, não há palavras fiéis, tudo isto é muito aquém do que és no mundo e para mim.

O lago de nós

Lembras-te dos raios de luz que nos invadiam pela janela semiaberta daquele quarto onde descansávamos os corpos saturados de suor e de carícias? E traçávamos linhas com os dedos no corpo do outro seguindo a rota traçada por esses raios timídos e frios que nos redesenhavam o repouso e acompanhavam a nossa respiração preguiçosa... Recordas os sorrisos lânguidos que se delineavam nos nossos rostos, como se ambos adivinhássemos o percurso que os dedos empreendiam nas peles, percorrendo as linhas de luz, leitos de água que desaguavam em vales e precípicios que só nós conhecíamos. O segredo de cada um de nós abria-se aos olhos do outro, e movíamos os nossos corpos um de encontro ao outro, como se também eles próprios fossem rios e juntassem as suas águas para iniciar a descida ao vale uno em que confundíamos o fim de um e o início do outro num lago de imenso prazer...lembras-te?

Sunday, February 13, 2005

Evocação

Vem encontrar-me! Estou sentada a um canto de duas paredes invisíveis, os meus braços rodeiam as pernas flectidas, poiso a minha cabeça nos joelhos e coloco-me à escuta...fecho os olhos e concentro os meus ouvidos no som dos teus passos leves e decididos que entrarão em mim no ar que respiro, e serei tu em mim, uma mistura que se dissolve no sangue e que lateja nas minhas veias, invadindo-me de um novo silêncio conquistado que ocupará o vazio dentro das paredes em que me dispus a esperar assim. Ainda aguardo numa vigília atropelada de cansaços, levantando a cabeça de breves e intensas impaciências, esticando as minhas pernas abandonada ao vazio que me rodeia, deixando momentaneamente de esperar, mas maravilhando-me ainda com o silêncio repleto de pensamentos eternamente mágicos. E entretanto, o segredo está em não abrir os olhos, nunca abrir os olhos antes que um sonho se encerre...

Carta ao amor que não existe

Meu amor,
queria começar por te dizer coisas que nunca foram ditas, queria inaugurar-te em palavras, como se assim prolongasse o único e insubstituível que já és, mas depois pensei que era pretensão minha achar que teria o poder de te dizer algo que nunca ninguém, no universo como eu e tu conhecemos, terá algum dia dito ao seu amor numa noite de amor ou em cima de uma ponte sobre um rio murmurante e gélido. Assim, meu amor, consciente de que repito o que já ouviste, só te posso dizer que é dentro dos meus olhos que te vejo como te amo, dentro das minhas pálpebras, quando fecho os olhos contra o sol que teima em cegar-me mornamente. E por dentro dos meus olhos, meu amor, sinto-te dentro de mim, tão dentro que é como se nunca tivesses estado em outro lado, como se me pertencesses e eu não existisse sem ti por dentro dos meus olhos. E lá dentro tu és tudo o que amo e quero, és tão grande porque me sinto imensa contigo e és tão pequeno porque estás dentro dos meus olhos. E as minhas retinas seguem-te quando insisto em tentar perder-te dentro de mim, e brinco às escondidas com a tua existência dentro de mim, dos meus olhos. E tanto brinco nesse jogo do existir que reluto em abrir os olhos, e fecho-os com teimosia, convencida que aí, nos meus olhos, serás sempre tu quem vive comigo os sonhos mais inebriantes de que me sinto escrava.

Da névoa...

Gostava de liquefazer-me em gotículas de nevoeiro leve e denso, povoar um universo repleto de vazios e elevar-me a uma nuvem ávida de humidade. Queria procurar aí a plenitude de um sorriso, a alegria de um olhar doce de promessas e de sonhos secretos sedentos de serem partilhados. Desejava sentir uma mão estendida a cada impulso que me tenta para o abismo e me ameaça em noites de silêncio surdo, imenso, entranhando-se na minha pele e deixando-me encolhida de medo. Ansiava sentir-me invadida por uma luz solar morna e lenta que atravessasse todo o meu corpo lânguido de preguiça em existir. Amaria um rosto que me transportasse a uma caixinha de segredos de um mundo mágico de luz e de leveza onde só a nossa essência existisse, intemporal, perene, irreal... desfaço-me em lágrima solitária que desagua cansada de percorrer um vale onde sabe que vai morrer de distracção.

Wednesday, February 02, 2005

Eyes Wide Shut

Penso:
ÁGUA!
E uma cascata de gotículas descem e atropelam-se pelo meu rosto, juntando-se em linhas redondas e indecisas na sua rota definida pela pressa de desaguarem num vale futuramente fecundo.
Penso:
LUZ!
E raios impiedosamente cintilantes e abrasadores atravessam-me os dedos das mãos, iluminando a minha carne e ensaiando-a na semi-transparência de um corpo habitado de peles que me cobrem como as camadas de um tronco de árvore.
Penso:
CÔR!
E rodo sobre mim mesma envolta num arco-íris como se este fosse um edredon fofo e quente que me protege da fria e cinza selva de um universo que não entendo e me arrepia a pele de um medo gélido e desconhecido.
Penso:
SILÊNCIO!
E encolho-me na direcção do meu ventre e nele encontrar a mudez da placenta da minha mãe, pouso os meus ouvidos algures num mundo que só existe em mim, onde há uma música mágica e contínua a embalar os meus olhos fechados de encanto infinito.
Penso:
AMOR!
E o vazio que ameaça enraizar-se nas minhas entranhas dispersa-se num sorriso de serenidade vindo do mundo dos sonhos que corajosamente persistem em sobreviver-me. E mais uma vez, timidamente, ergo o meu olhar ao horizonte de um sol que se despede de mim e me empresta a cor dourada com que recebo o anoitecer de mais um dia limpido.

Ensaio de uma Confissão: Parte II

É meu desejo secreto espreitar o mundo pela curvatura de um ombro sedento de um sorriso silencioso e sereno, pousar a minha cabeça numa redondez segura e viva, ser o búzio que traz o som do mar ao ouvido naquela redondez que me colhe a respiração, quente e sussurrante. Desejo daí alcançar a imensidão do mundo que se vislumbra perante uns olhos ávidos e corajosos, encerrando os meus suspiros de encantamento numa linha irregular de pele morna e latejante, e neste repouso de contemplação mútua, sentir-me plena de um sentimento indefinidamente belo e exclusivo, como se o azul do céu, o calor morno do sol, a humidade do orvalho matinal, me entranhassem com tal intensidade e pureza, que seria como se de mim o mundo nascesse...