Thursday, February 07, 2008

Lembra-me de Existir


Sempre que eu me esqueça de abrir os olhos a uma flor que se humedece de prazer no orvalho matinal ou sempre que eu não delinear um sorriso perante um gato que se espreguiça na soleira de uma porta aquecida pela luz solar cálida, recorda-me que vivo e que também posso ser Sol, Luz líquida e transparente que se preenche de pureza. Retoma-me num ponto perdido do horizonte onde o meu olhar se terá perdido e indica-me o itinerário do que adivinhará uma viagem de descoberta e de deslumbramento para um mundo onde felicidades vorazes me invadem sem que o tempo seja um fantasma assombrado e ladrão da minha vida.

Inacabamentos...


Sentada numa cadeira absorvendo o calor lento do sol, procuro a tua existência numa nuvem que invento só para mim, ali, no alto, ao lado do sol. É lá que te vislumbro: pensativo, a contemplar um ponto perdido algures num infinito do teu mundo que anseio seja meu também. E nesse mundo existem cores e luzes difusas, uma humidade morna no teu sorriso entreaberto de uma timidez cúmplice.E alimento-me desse teu sorriso, e há alguma luz que em mim se acende e irradia raios que se extravasam numa imensidão de estrelas multicolores e translúcidas. Sentada numa cadeira, abro os olhos...a nuvem passou sem que a luz quente e lenta do sol deixasse de me aquecer, o tempo flui e tu seguiste numa nuvem agora ausente.

Wednesday, June 15, 2005

Tinham combinado encontrar-se todas as semanas, religiosamente à mesma hora, naquela mesa de café. Ele sentar-se-ia primeiro, com olhar vago e vacilante à sua volta, pediria um café, sempre cheio, e ficava a olhar disfarçadamente pela janela que se abria a uma rua salpicada de árvores muito bem cortadas e com troncos cuidadosamente podados. Com o seu casaco castanho coçado nos cotovelos que repousavam em cima da mesa, o seu queixo erguia-se de cada vez que a porta do café se abria, uma expressão de ansiedade se ensaiava e depressa se desvanecia em olhar de espera paciente. Quando ela entrava, um leve e tímido sorriso se desenhava naquele rosto pálido. Ela, com passo incerto e trémulo, seguia o seu intinerário por entre as mesas e cadeiras daquele café pontilhado de sol, e hesitante sentava-se naquela cadeira em frente a ele, cruzava os seus pés de forma tensa e fechada por debaixo da mesa, refugiando as suas mãos entre os joelhos indecisos. Lentamente, os seus olhos erguiam-se à procura da cumplicidade de outros dois que aflitivamente a procuravam, e nesse momento, que escapava aos distraídos daquele café, uma metamorfose acontecia, sempre sob a luz e sempre sob as árvores. Os dedos timidamente procuravam a palma da mão do outro, como se nessa palma estivesse o centro do mundo, sem princípio nem fim, e sussurros inaudíveis polvilhavam o silêncio morno daquele café. A doçura iluminava-se de azul no meio daquela mesa, e os dois amantes repartiam segredos e delícias, o desejo latejando nas pontas dos dedos que se roçavam, trémulos e ansiosos do líquido que adivinham correr sob a epiderme cálida...

De pele em pele

Há algo de extremamente sedutor na ideia de rastejar sobre o teu corpo, tal serpente preguiçosa debaixo de um sol cálido e indolente. Antecipar a sensação da minha pele a roçar pela tua num movimento de onda incerta e irregular é um fascínio a que me dou o direito de sonhar e delirar quando não estás por perto, a vigiar-me os olhos que de luz e de fogo se inflamam. Na languidez do toque que se arrasta como uma folha entregue aos caprichos do vento, assim os meus dedos vagueiam, sequiosos e ao acaso pela tua pele que respira o meu desejo em ascendente rota. Colo-me. A ti. Sem pudores nem reservas, fecho os olhos e torno-me alvo da tua feroz contenção de brasa vermelha sem cinza criada, ainda. E neste momento em que ardo e me ardes, em líquido me transformo, como se o meu sangue fosse lava transbordando de mim, sem controle e sulcando rastos de fogo incandescente. Quero afogar-me na água do teu desejo, efervescer-me em ti, e sem fôlego amornar os sentidos na planície do teu peito.

Saturday, March 26, 2005

Empréstimo de felicidade

Olho-te sem na verdade te ver, pois olho para além de ti, olho para o que és antes de mim, antes de eu ter esbarrado contigo numa rua superpovoada de gente anónima e de olhares perdidos.E para além de ti, imagino o que nunca vi, a tua infância de sorrisos luminosos, o teu despertar em manhãs húmidas, a tua inquietação na descoberta do amor que te deixava noites a sonhar acordado, a ensaiar uma declaração tão simples como "gosto muito de ti". Recebi de ti, num encontrão numa rua estranhamente silenciosa, tudo o que és para além do que amo. E a cada olhar que sinto voar por ti, que se estende pelos teus ombros distraídos, sinto que contraímos um empréstimo de felicidade, com data indefinida de validade, e com o sobressalto constante de receber um aviso do seu termo quando ainda consigo olhar para além do que és no presente que me ocupas. Desperto destes devaneios com a tua voz a falar de qualquer banalidade e sorrio distraidamente, guardando este segredo para um momento em que te possa sussurrar as palavras que se soltam no meu pensamento quando te olho, sem na verdade te ver.

Wednesday, March 09, 2005

In solitude we cry

Num tratado de solidão, não existe espaço para duas pessoas que se deitam juntas em posição semi-fetal, acolhidas uma na curva da outra, atentas à respiração e ao pulsar mútuo. Neste manifesto contra a solidão, há um lençol que se partilha e que cobre dois corpos ocupados de amor e de sorrisos de cumplicidade. Para demonstrar que não há solidão neste leito nem para além dele, alguém se vira para o outro e, de olhos abertos e puros, ambos procuram uma verdade única e exclusiva que partilham: que o amor existe, que eles existem porque o amor existe, e que no fim de cada dia se encontram repletos da vida que depositaram um no outro, a qual sabem ser sempre um espaço comum de afectos impronunciáveis e de silêncios plenos de mensagens secretas apontadas num livro feito de luz no coração de cada um. Numa moção de censura contra a solidão estão duas pessoas sentadas num café ao fim de uma tarde em que o sol morno aquece os rostos leves e doura os sorrisos húmidos e abertos aos olhares e gestos que alimentam a linguagem universal de mundos secretos comuns. E nesta mesa de café, duas mãos estão fingidamente pousadas ao acaso, tamborilando distraidamente à procura que outros dedos ofereçam um laço de ternura. A solidão não tem sentido quando, algures num mundo que nos espera à porta de nós, existem sorrisos que se desenham ao aspirar o cheiro das gotículas em que se desfazem as ondas ao rebentar num longo areal sedento de sal e de azul.

Monday, March 07, 2005

Caixa de Imagens

Num mundo onde só eu e o sonho coexistem, há lá uma caixinha que abro de vez em quando para me maravilhar com belezas repletas de magia. Ao abrir com um cuidado desmesurado a minha caixinha de imagens, algo do seu fundo vem emergindo e invade os meus olhos...e o que vislumbro à minha frente é um um imenso e almofadado campo de papoilas ondulantes, ao centro deste campo o meu olhar fixa-se nos corpos de dois amantes, que se encontram deitados, de mãos dadas e olhos fixos um no outro, como se tudo o resto não existisse, como o mundo de cada um deles estivesse ali, à sua frente, num olhar que engolia e levava alguém numa viagem de sorrisos, cumplicidades e silêncios dourados de empatias ancestrais. E eu, observando de forma ávida como quem vê uma película de um filme já visto por outros olhares, deslumbro-me à descoberta de pormenores que só eu terei o poder de partilhar, cansando o meu olhar de tal modo que os corpos me parecem respirar de forma ligeira e preguiçosa, quase sinto o movimento dos corpos nesta forma simples de se existir, a leve brisa que avança tímida sobre os cabelos espalhados...e neste quase voyeurismo a que me dedico sinto as papoilas transformarem-se em pequenas e trémulas pinceladas vermelhas que se movem em ondas macias e escondem parcialmente os contornos dos dois amantes perdidos de si e encontrados no outro...em algum momento, os amantes rodariam os seus corpos para um sol cúmplice e quente, e assim se prostrariam a receber as estrelas que mais tarde acabariam por pontilhar um céu imenso e claro. As papoilas, essas, recolheriam os dois amantes numa nuvem de orvalho e acalentariam o seu sono manso e reparador do amor pleno.

Sunday, February 27, 2005

Se te sentasses comigo

Se te sentasses comigo num daqueles bancos de balanço dignos de um razoável filme americano, acho que não resistiria à velha e nada original tentação de te dar a mão, de a puxar para o meu repousado e morno regaço, e de brincar com os teus dedos, numa distração mal fingida, e começava então a contar-te como era bom ter-te ali por perto, e depois prolongava as minhas palavras de forma a que te soassem preguiçosas e lânguidas, e espraiava o meu corpo para que aquela luz crepuscular que partilhávamos sugerisse quenturas e fogos ateados. E é claro que, neste filme que teria um guião no mínimo criativo, tu não entenderias nada das minhas desajeitadas subtilezas e simplesmente adormecias no meu regaço, e eu aproveitaria a oportunidade de te acariciar os cabelos de forma lenta e leve, como se a brisa estivesse na ponta dos meus dedos, e deliciava-me com a visão do corpo de homem-menino que repousava no meu colo e me fazia sentir poderosa e protectora do meu amor. E como um fim belo é sempre o mais popular, acho que mansamente eu acabaria por ceder o meu tronco sobre o teu, deitar a minha cabeça no teu peito, e fechava os olhos para melhor sentir a música do teu coração esquecido de mim, e iria fazer um esforço na minha respiração para que o meu coração entrasse em completa sintonia com o teu, ambos num som uníssono. FIM

Estio de Estrelas

Neste inverno de frias noites despidas de nuvens, começo a sentir falta da noite de verão cálida e de silêncios intercalados com os sons das cigarras, que lembram alegrias e parecem ser a música com que as estrelas dançam para nós num céu aberto e escuro. A minha alma anseia por uma dessas noites, em que me deito num chão ainda morno do sol abrasador da tarde e fico assim, entregue a esse céu, ao universo que contemplo, ponto mínimo no infinito. E assim, deitada de costas e virada para as estrelas, tento iniciar uma linguagem que só eu e elas conhecem, e experimento o meu sorriso de cumplicidade, procurando nelas um outro lado de mim, como se fosse uma folha de figueira escondida na sombra da árvore com uma textura de vida e de seiva leitosa que subitamente se vê exposta a uma luz cega. Nesses dias em que me atrevo a ter nas estrelas as minhas confidentes de segredos,fantasias e medos, sinto-me um embrião estelar, discípula dos seus desígnios e amante da sua luz. E é nesses dias que algo me renova a alma e retomo rumos de descoberta em mim, criatura expectante e repleta de vazio à procura do mar de ser.

Friday, February 25, 2005

A um amigo...we know who :)

A ti, amigo,chegam as minhas palavras como gotas de água trémula e desaguam nos teus olhos repletos de luz. Vejo-as cativas nos teus olhos abertos, curiosos, lúcidos, e sinto-as derramar para dentro de ti, seguindo um roteiro que desconheço mas com um destino secreto que pressinto especial e só meu! Aí, onde guardas as minhas palavras, adiciona-lhe o cheiro de alfazema após ter sido esfregada nas tuas mãos, e junta a essa fórmula uma lágrima solitária minha recebida pela curva do meu sorriso. De ti, amigo, espero o sol das tuas palavras, o ar que se respira num dia claro, uma gota de chuva empurrada pelo vento ciumento de mar e um sorriso, imenso e intemporal, que ilumina as noites silenciosas e vazias em que me refugio. Para ti, amigo, desejo as manhãs claras e os dias limpos com uma nuvem branca imensa mesmo acima da tua cabeça, onde caibam todos os teus sonhos e fantasias :) Para ti, amigo, não há palavras fiéis, tudo isto é muito aquém do que és no mundo e para mim.

O lago de nós

Lembras-te dos raios de luz que nos invadiam pela janela semiaberta daquele quarto onde descansávamos os corpos saturados de suor e de carícias? E traçávamos linhas com os dedos no corpo do outro seguindo a rota traçada por esses raios timídos e frios que nos redesenhavam o repouso e acompanhavam a nossa respiração preguiçosa... Recordas os sorrisos lânguidos que se delineavam nos nossos rostos, como se ambos adivinhássemos o percurso que os dedos empreendiam nas peles, percorrendo as linhas de luz, leitos de água que desaguavam em vales e precípicios que só nós conhecíamos. O segredo de cada um de nós abria-se aos olhos do outro, e movíamos os nossos corpos um de encontro ao outro, como se também eles próprios fossem rios e juntassem as suas águas para iniciar a descida ao vale uno em que confundíamos o fim de um e o início do outro num lago de imenso prazer...lembras-te?